Intro (chegando aos 29)
Nasci em 1996, o que me coloca bem na transição entre os Millennials e os Gen Z, já que algumas definições colocam essa fronteira justamente ali entre 95 e 96, com alguma margem erro pra cima ou pra baixo. De uns tempos pra cá, comecei a me aceitar talvez como um Gen Z, mas ainda assim tenho características de Millennial.
Não sei se generalizei coisas particulares, mas espero que não. Quero que alguém se identifique e que isso possa ser positivo.
Os Millennials são a geração que teve a infância/adolescência marcada pela transição entre o analógico e o digital, nós chegamos a conhecer um mundo sem tanta tecnologia, mas aos poucos vimos isso se acabar, e nós mesmos entramos na onda. Também somos marcados pela perda do poder econômico devido à natural desvalorização da moeda fiduciária.
Mês que vem faço 29, o que ainda não é 30, mas já configura uma pré-despedida dos anos 20, o que me leva a fazer um balanço da minha vida e a compartilhar com vocês, que talvez tenham mais ou menos a mesma idade ou que sejam apenas curiosos.
Conquistas (casa, carro, investimentos, etc)
Somos a geração marcada pela perda do poder econômico, pelo desemprego ou o subemprego, pelos relacionamentos frustrados. Não conquistaremos nada no aspecto material, mesmo o necessário para uma subsistência básica, a não ser fazendo uma dívida que nunca teremos condição de pagar. Os millennials são a geração sem progresso e sem perspectivas.
Fomos educados por pessoas que viveram em uma outra realidade, não temos as mesmas condições de comprar uma casa ou carro, o valor do dinheiro se perdeu e a maioria dos trabalhos serve apenas para a subsistência, se tanto. Mais distante ainda é a ideia de poupar ou de investir.
Um bom casamento e muitos filhos já não era realidade das gerações pós-1945, muito menos dos Millennials. Só que no nosso caso, além das consequências da Revolução Sexual, não casaremos e nem teremos filhos por faltar o mínimo de condição financeira para tal coisa.
Meu caso não se destaca dos demais Millennials, eu perdi 25 anos da minha vida no sistema de ensino tradicional, me formei na faculdade e nunca tive emprego na área; até tirei habilitação de moto, mas a última vez que pilotei uma foi no dia do exame, em 2016. Não tenho casa própria, mas posso usufruir da casa que meus avós, Baby Boomers, deixaram. Nunca me casei e não tenho tal perspectiva, então acho que marquei todos os pontos do bingo dos Millenials e dos Gen Z.
Faculdade e emprego
Lembrem-se do que eu falei sobre sermos criados por pessoas que viveram em outra realidade. Nossos pais cresceram acreditando na universidade, mas não atualizaram essa informação para as mudanças de cenário que tivemos.
Governos populistas e demagógicos encheram as universidades e faculdades de gente até haver mais pessoas formadas do que empregos disponíveis. Como isso poderia dar errado?
No meu caso, o desenho da vida parecia claro: Eu tinha que terminar a escola, passar no Enem, fazer uma faculdade e ter um bom emprego. Era o plano perfeito e eu concluí as três primeiras etapas, mas quando fui até o mercado de trabalho com meu diploma na mão, não obtive sucesso.
A única esperança na qual os Millennials se agarram hoje, inclusive para solucionar os problemas do tópico anterior, é um concurso público, que pode trazer a tão sonhada ascensão social e a pretensa estabilidade da máquina estatal, esperando que esta mesma não entre em colapso, matando tal estabilidade.
Em 2021, após acordar do transe da carreira pós-universidade, me vendo sem emprego e com um diploma na parede, eu fui instigado por uns primos a estudar para concursos. Quatro anos depois, eu já fiz algumas provas e fui bem, mas ainda não o suficiente. Sigo tendo essa saída como a única pra mim, mas ainda não consegui nenhum cargo público.
Desilusões e transtornos mentais; sentido de vida
Somos a geração do TDAH, do autismo, da ansiedade, do Burnout, da fobia social, da depressão… Faltou alguma coisa?! Sei que outras gerações podem sofrer disso, mas nossa geração, ao ver-se imersa em todas as consequências negativas do mundo construído pelos Boomers, não pode não estar cheia de problemas mentais.
Diante de todas as frustrações apresentadas nos tópicos anteriores, ainda podemos acrescentar as desregulações neurológicas causadas em nós pelas tecnologias, em diversos aspectos. A sensação de ter sido iludido e criado esperanças sobre um mundo que não existia mais, e não ver nada daquilo se realizar, terminar num emprego 6 por 1 sendo explorado ao máximo para ganhar o mínimo e apenas continuar subsistindo; sem uma família estruturada, sem um relacionamento que dure muito tempo, sem amigos, etc. Como uma geração assim poderia estar em outra situação mental?
Ilusões e promessas (internet e coachs)
Nesse cenário desolador, onde as pessoas sequer foram ensinadas a viver, aparecem os aproveitadores, que propõe te ensinar o que foi relegado em casa, na escola, na igreja, ou onde mais as pessoas deveriam ter te ensinado alguma coisa sobre esse troço chamado vida.
Os coachs vão melhorar sua aparência, seu comportamento social, seus relacionamentos amorosos, suas finanças, sua alimentação, sua atividade física, etc. E você só precisa jogar uma fatia do seu mísero salário na mão deles, uma vez que aquilo eles sabem não faz eles mesmos ganharem alguma coisa que não seja vendendo curso, contradição que não parece óbvia para grande parte das pessoas, que ainda caem na conversa.
Os coachs entraram na minha vida em meados dos anos 2010, quando passei a ter maior acesso ao Youtube, e é claro que muito do que eles disseram me ajudou, num cenário onde eu não tinha outros referenciais para me escorar. Mas com os anos, eu fui vendo que todo aquele papo coach se tornou mais do mesmo, e por trás da aparente tentativa de ajudar, estava tão somente a intenção de vender um curso.
Desânimo em “mudar o mundo” e as pessoas
Em algum momento da minha vida eu quis deixar de viver no automático e tentar questionar um pouco o status quo, foi quando me dediquei a lutar por ideais (pretensamente) mais elevados. Nesse contexto, acrescente-se a onda de interesse por política que se alastrou pela internet brasileira de 2013 em diante e que até hoje está viva, nem tanto por causa dos Millennials, e na qual eu também estive engajado por alguns anos.
Sempre pulei de cabeça em tudo o que fiz, então conforme eu estudava e compreendia determinadas realidades, eu tentava mostrar isso às pessoas, mas era em vão, um dia eu me cansei e parei de tentar, após muitas decepções. A maioria das pessoas é inerte e não quer sair do lugar, quer ficar confortável onde já está.
Hoje não sou alguém preocupado com as notícias do dia, entendo que o sistema político adotado no ocidente é falho em essência, e que a pretensão de eleger “políticos melhores” apenas enfeita o pavão. Ao mesmo tempo, eu sei que esse regime não vai mudar, então se não o apoio, tampouco me importo em lutar contra ele, eu sou apenas indiferente. Eu ganho muito mais focando no meu próprio desenvolvimento pessoal do que investindo meu tempo e energia, física e mental, com o que acontece na política do dia a dia. Eu até gosto da ciência política enquanto estudo teórico, mas definitivamente não da politicagem do dia, isso não.
Produção de conteúdo
Sempre gostei da comunicação, e com o advento da internet, sempre compartilhei meus pensamentos por aqui. Já tive canais, blogs e por aí vai, sempre pensei que eu deveria produzir um conteúdo autêntico, mas não é assim que funciona a dinâmica da internet, onde temas são escolhidos por demanda e não por convicção. Eis um dos motivos porque resolvi me limitar a esta newsletter.
Além disso, a minha livre expressão na internet me tornou mais um palpiteiro falando sobre coisas que não deveria; seja por incapacidade, falta de aprofundamento ou só por não estar em posição de falar mesmo, como em assuntos relacionados a religião, que devem ser tratados pelo corpo docente da Igreja e não por leigos independentes.
Me refugiei no Substack justamente porque é aqui e somente aqui que pretendo desenvolver o meu pensamento pelos próximos anos, pois não quero deixar de pensar e escrever, nem tanto para ser mais um produtor de conteúdo para o mundo da internet, mas sim para mim mesmo, eu estou aqui por mim mesmo.
Ausência de referências (Os pais boomers)
É impossível oferecer o que você não tem. Os pais do millenials, nascidos no pós II Guerra, são a primeira geração de um mundo que abandonou definitivamente qualquer valor moral na vida prática, processo que não começou agora, mas que culminou com o pós-guerra. Um período no qual uma humanidade traumatizada pela dor, buscou o seu extremo oposto, o prazer sem limites. “Faça amor, não faça guerra”, é o mantra central do mundo pós-1945, e o que somos hoje é consequência daquilo.
O Millennial precisa fazer um esforço para não culpar os seus pais pela miséria (em todos os sentidos) na qual vive no Século XXI, já que não podendo dar aquilo que não possuíam, eles não puderam repassar para a nossa geração as tradições, a religião, os valores e sobretudo os costumes que deram norte às gerações passadas. Mas de uma coisa o meu leitor Millennial ou Gen Z pode ter certeza, seus pais te deram o melhor que eles podiam, eles também são vítimas de tudo isso, e eles te amam mais do que ninguém neste mundo vai te amar e querer o seu bem.
Eu sou parte dessa geração sem farol, sem referências; de como agir, de como pensar, de no que acreditar. A família me ofereceu maus exemplos, a escola me ofereceu doutrinação ideológica, a Igreja me ofereceu Concílio Vaticano II. Em suma, todos aqueles que deveriam ser meu norte, me deixaram perdido sem direção no meio do nada.
Relacionamento com a família
Desde cedo vivi com meu pai e minha mãe e tinha pouco contato com outros parentes, salvo algum contato esporádico com parentes mais próximos de primeiro grau. Mas meus pais nunca fizeram questão de me tornar mais próximos do restante da minha família; então sempre fiquei meio isolado, só vivendo com eles dois. Até pouco tempo, eu não sabia da existência de alguns tios e primos, que só fui conhecer depois de crescido.
Isso leva a muitos problemas, dentre eles a quase inexistência de laços afetivos com pessoas que têm o mesmo sangue que eu, consequentemente a ausência de um dos pilares que te faz se identificar como membro de uma sociedade, a família.
Dependência paterna e morte do meu pai
Se dependesse do meu pai, ele colocaria comida na minha boca. Ele foi super-protetor e cuidou de mim até literalmente o último dia de sua vida neste mundo, o que tem seu lado bom e seu lado ruim. O seu cuidado me ajudou em bastante coisa, mas também castrou meu aprendizado em coisas práticas da vida. Por muito tempo eu tentei ir fugindo aos poucos do seu cuidado sufocante, tentando ser mais independente, mas também era tentador aceitar a sua ajuda e muitas vezes eu cedia.
Se algum dia eu for pai, uma coisa que tenho como ideal é tornar os meus filhos tão independentes quanto possível, eu sei bem o quanto a super-proteção pode prejudicar o desenvolvimento de um ser humano, e eu não quero perpetuar esse problema, se é que algum dia eu vou ter essa chance.
Fato é que no dia 22 de dezembro de 2023 (sexta-feira antes do Natal), no fim da tarde, meu tio me avisou por telefone que meu pai passara mal e estava no hospital. Enquanto eu me preparava pra ir até o hospital encontrar os meus familiares, meu primo me informou que meu pai havia falecido. Foi um infarto fulminante, ele já sofria de problemas do coração há muitos anos. Àquela época eu estava com minha mãe e ele sempre nos visitava, inclusive naquele dia de manhã, quando entreguei-lhe algumas roupas para que ele colocasse na máquina de lavar (como eu disse, até o último dia ele cuidou de mim, literalmente).
Minha mãe ainda tinha (e tem) suas fontes de renda, nós ainda conseguimos a pensão por morte com a ajuda de um escritório de advocacia (se vocês tentarem direto no INSS, eles vão negar, é necessário o advogado), e nós temos nossa própria casa, então apesar do cenário catastrófico que eu esperava, nada mudou. Mas comecei a procurar emprego e é aí que vem a próxima parte.
Emprego 6 por 1 e necessidade de sobreviver
Passei seis meses buscando um emprego pra começar a juntar alguma reserva, e para não ficar sugando da minha mãe. Até que em junho de 2024, mês do meu aniversário, comecei num Supermercado. Era um contrato de experiência de três meses, houve pessoas que me ajudaram e outras que nem se importam em me ensinar, mas fui me virando. Sendo apenas mais um número, minha utilidade era só cobrir quem estava de folga a cada dia, o que me impediu de ter minha própria seção e cuidar dela. Ao fim da experiência, me mandaram embora.
Para mais detalhes, leiam um complemento dessa experiência: https://telegra.ph/Um-relato-sobre-o-subemprego-07-28
Tive ‘sorte’ e engatei o segundo emprego em questão de um mês, era mais um cargo temporário, dessa vez por conta do fim de ano, numa loja de utilidades, especificamente na seção de Natal. Após 3 meses de muita exploração e horas extras, eu até fui efetivado, mas com mais um mês, me descartaram. Me dei conta de que esse um mês a mais teria sido só pra cobrir algumas pessoas que entraram de férias em janeiro e que retornaram em fevereiro.
Também relatei mais profundamente essa experiência: https://telegra.ph/Mais-um-relato-sobre-o-subemprego-02-28
O pouco que consegui conquistar com essas experiências foi o meu novo notebook, que eu já não tinha desde 2022, quando o outro queimou; e minha bicicleta, que eu não tinha há pelo menos uns 15 anos.
Religião e transcendência
Eu nasci em família católica, dos dois lados, e com o passar dos anos fui estudando e fortalecendo ainda mais a fé na Igreja. Esse não é um tópico que vai ser frequente nos meus comentários online, porque me dei conta de que ensinar sobre a Fé cabe ao corpo docente da Igreja e não a leigos, ainda mais com a péssima formação atual. Todo esse circo de leigos discutindo catolicismo na internet é o mais puro Liberalismo.
Enquanto as gerações anteriores abraçaram o mundo e esqueceram a religião, nós Millennials e os Gen Z estamos redescobrindo as tradições. Vendo o resultado decadente do mundo construído pelos Doomers, Boomers e Baby Boomers, as novas gerações têm preferido dar um passo atrás e recuperar os valores morais que se perderam, isso é algo interessante de se notar.
O público majoritário em uma Missa Tridentina hoje é de jovens na casa dos 20 anos, esse dado dá noção de uma realidade maior. Os jovens viram que o sexo desregrado e as drogas (lícitas ilícitas) não os preenchem, só pioram seus problemas. Muitos já notaram que há algo de errado e a onda reacionária já assusta os progressistas, que estão vendo seu progressismo recuar.
Não sei se isso vai levar a sociedade num novo rumo, se isso é apenas o recorte de uma bolha, nem muito menos coloco nisso todas as minhas esperanças, mas sei que na minha vida pessoal eu quero sempre manter as tradições dos meus antepassados, pois o mundo atual não me dá um norte, o passado sim.
Cabe uma menção honrosa ao fato de que durante a edição do presente texto, chegamos ao quarto Papa dos Millennials; vimos João Paulo II, Bento XVI, Francisco e agora Leão XIV.
Vontade de morar fora
Se as coisas por aqui parecem perdidas, por que não pensar em recomeçar uma vida nova em outro lugar?! Num canto onde eu não corra o risco de perder meus bens ou ser morto cada vez que saio de casa (ou nem precisando sair); onde eu não pague 50% de impostos em necessidades básicas de sobrevivência, onde eu tenha um ambiente intelectual melhor, que me ajude a florescer mental e espiritualmente.
Se tudo por aqui parece ruim, não seria uma má aposta; se lá eu estiver pobre, parece melhor ser pobre na Europa do que no Brasil, então o que eu teria a perder?!
Não tenho aquele romantismo neoconservador com relação aos EUA, prefiro pensar na Europa, nem preciso dar maiores detalhes sobre meus planos, talvez no futuro conforme eles forem ficando mais concretos.
Conclusão
Não sei se sintetizei todos os principais anseios dos Millennials ou dos GenZ, nem mesmo expus da forma como eu imaginava que seria. Tenho certeza de que compartilho com muitos da minha geração as dores do nosso tempo, mesmo que eu não possa projetar a minha experiência nos outros. Muitas coisas, bem mais particulares, eu não achei conveniente trazer a público, então todos saberão somente no Juízo Final. Até logo.